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Pequenos Jardins de Alunos

Emmanuel Rolland
O homem que planta hortas,
jardins e florestas

Por Jacinto Rodrigues
Professor Catedrático da Universidade do Porto

Gian Giono no livro "O homem que plantava árvores" publicado pela 1ª vez em 1954, conta-nos a história de um homem simples, o pastor Elzeard Bouffier, que no sudeste da França, numa comarca provençal, decide seleccionar sementes de carvalhos que apanha durante as suas caminhadas com o rebanho, nas serranias quase nuas daquelas paragens.

Então, pacientemente, com a ajuda dum bastão pontiagudo, o velho homem, à medida que vai caminhando sobre as ondas telúricas da montanha, vai perfurando o solo com a sua bengala -bastão. Introduz em casa orifício uma bolota. E com o tacão do sapato tapa o buraco...

Durante muitos outonos e até primaveras, fez este gesto simples e mágico... Depois, os anos passaram e ao fim de algum tempo, aquelas montanhas nuas foram-se cobrindo de pequenas árvores que mais tarde se transformaram em carvalhos frondosos.

Esta história tem a ver com Emmanuel Rolland. Fomos vê-lo na sua pequena aldeia - La Chapelle de l'If - no norte da Bretanha e a alguns quilómetros da pequena cidade de Dinan.

Paramos a auto-caravana em frente dum antigo casarão rural.
Era a sede da Associação "Pequenos Jardins de Alunos".

Logo ali, na berma da estrada municipal, fica a casa de Emmanuel. Recebeu-nos fraternalmente. Está reformado mas a sua actividade continua transbordante. Logo que chegamos, à tardinha, foi-nos mostrar o "arboretum", um ecosistema evolutivo de plantas, na pequena vila de Plouet-sur-Rance. Fomos ainda ver o "talude pedagógico" na Escola de Trevon. É uma espécie de canteiro que serve de estudo e experiência de botânica aplicada.

Durante o percurso, Emmanuel foi-nos contando, em traços largos, alguns momentos essenciais da sua biografia. Nasceu naquela aldeia, Chapelle de L'If, a 10km de Dinan, pequena cidade histórica da Bretanha, rodeado por aquele mundo rural fantástico, sendo ele próprio originário de famílias camponesas de longa data.

Tornou-se professor primário, sendo mais tarde docente de manualidades e tecnologias.

Fez, em seguida, uma formação em biologia que o tornou especialista em agro-ecologia.

Toda a sua vida foi assim dedicada ao ensino de jovens e adultos, realizando experiências concretas na agricultura e inovado metodologias e técnicas de trabalho. Em 1993 ganhou um prémio por ter inventado um utensílio manual para trabalhar a terra com facilidade e eficácia.

Cooperando com outro professor, Gaël Vires, desenvolveu uma experiência exemplar a que chamou o "talude pedagógico". Foi sobre esse talude pedagógico que, na manhã seguinte Emmanuel Rolland começou a primeira explicação prática. Levou-me a um local onde, sobre um montículo de terra, estavam plantadas variadíssimas espécies botânicas. Aquela experiência era uma das muitas realizações que começara anos antes na escola de Trevron.

Agora ali, diante daquele pequeno aterro rico em húmus, com uma altura de cerca de 50 cm, formava-se um pequeno muro cujo comprimento pode variar e tornar-se mesmo uma cerca dum qualquer terreno.

Aquele montículo teria uns 10m, tornando-se uma espécie de vitrine para mostrar as múltiplas variedades botânicas e a sua organização ecosistémica.

Os alunos podiam ver, face a este mostruário vivo, o crescimento de múltiplas plantas estudando processos diferenciados de reprodução e as relações simbióticas entre espécies.Nesta complexidade ecosistémica pode-se assim estudar, ao vivo, a botânica. Pode-se cultivar e observar a metamorfose das plantas, a inter-relação que se estabelece com a fauna, nomeadamente múltiplos insectos e pássaros que aí se vêm anichar e que se manifestam como bioindicadores do terreno.

Plantas e animais, particularmente insectos, lagartos e caracóis e plantas muitas vezes consideradas inúteis e/ou nocivas, expressam a qualidade do terreno tornando-se assim importantes indicadores da acidez, alcalinidade do solo, qualidade do húmus, higrometria, etc.
Emmanuell explica que o talúde pedagógico recria o ambiente da floresta que é, finalmente, a mãe de todo o princípio da agricultura por ser um ecosistema o mais completo possível, favorecendo o crescimento de plantas, permitindo a criação de um abrigo contra os ventos, um muro verde de beleza e utilidade alimentar pois muitos dos pequenos arbustos que fomos observando eram comestíveis (groselhas, mirtilios, framboesas, etc.).

Esta actividade agro-ecológica torna-se assim processo pedagógico multifuncional pois, promovendo a sensibilidade estética estabelece uma relação do homem com a natureza, permite o desenvolvimento dum pensamento ecosistémico aberto e realiza, simultaneamente, uma base de sustentabilidade alimentar para homens e animais.

No vale da ribeira de Romanzon, onde correm águas residuais poluídas pela actividade agro-industrial, Emmanuell plantou árvores que previamente semeara em pequenas garrafas de plástico com a ajuda de todos os participantes ligados à Associação de Languenin.

Semear árvores, em vez de plantar, é toda uma filosofia que Emmanuell Rolland desenvolve ha já alguns anos. Recolhe sementes de vários tipos: bolotas, carvalhos, abrunhos, ameixas, pêssegos, nêsperas, etc., introduz essas sementes numa vasilha com furos nas paredes laterais e enterra-a na terra, excepto o bocal que fica fechado mas fora do solo para se abrir ou fechar quando se armazenam as sementes.

A humidade do solo à sombra duma nogueira ou doutra árvore frondosa, mantém a frescura e humidade ideais. Aí se fazem as reservas essenciais das sementes que começam mesmo a germinar, antes de serem semeadas na terra. Na altura própria, retiram-se para as garrafas de plástico onde, graças a um sistema especial, se cria uma vasilha propícia a fazer germinar a semente.

Surge aqui toda uma ecotécnica que reutiliza materiais (garrafas de plástico) e que simultaneamente propicía a formação de tubos de ensaio (cada garrafa é um tubo de ensaio) facilitando o estudo da planta e melhorando as suas condições de crescimento. Emmanuel Rolland exemplificou-me a técnica demonstrativa da garrafa plástica.
Tudo isto vem nos dois pequenos livros que escreveu.

Naquele campo duma aldeia perdida na Bretanha, Emmanuell Rolland iniciou essas simples actividades agro-ecológicas.

Durante anos alargou a sua sabedoria às ervas aromáticas e medicinais. A vivência rural ancestral com que lidou desde a sua infância fortificou-se com o saber adquirido e no conhecimento de outros autores como Fukuoka, Pfeiffer, Pierre Rabhi e Claude Aubert. A acção exemplar deste homem notável pode ser um estímulo para nós próprios.
Quando cheguei a Portugal, depois desta viagem, pareceu-me ter feito uma experiência iniciática pré-monitória. O País ardia, as florestas, ou seja, as monoculturas industriais de eucaliptos e pinheiros serviam de pasto aos enormes incêndios.

Pela estrada, vindo da Galiza, entrava na visão dantesca destes fogos do alto minho. Revelava-se-me, mais uma vez, os erros estruturais da organização florestal e do território.

Mostrava-se assim a destruição da vida rural, que temos vindo a assistir neste país. Recordei o tempo longínquo em que, com alguns amigos das ainda insípidas associações ambientais, nos juntávamos na luta contra essa destruição. Um dia, chegamos a Valpaços porque o sino tocara a rebate nas serranias transmontanas. Despontavam eucaliptos onde tinham arrancado oliveiras. Aqueles eucaliptos tomavam o lugar onde as pacíficas oliveiras viviam há mais de cem anos. O povo das aldeias assistia aterrado a essas mobilizações do terreno, organizadas pelas multinacionais que, durante o cavaquismo iam transformando a agricultura tradicional em floresta industrial para papel.

Foi nessa tarde de verão que, por detrás duma bouça, surgiu a cavalo a guarda republicana para proteger um qualquer grupo económico. E, quando pacífica e ordeiramente quisemos atravessar aquele campo que mais parecia um cemitério plantado de baionetas, um guarda, montado no seu cavalo assapou-me com o cacetete na cabeça.

Depois destes incêndios todos em Portugal, espero que o exemplo de Emmanuell Rolland possa tornar-se numa semente que chegue até nós. E homens notáveis, como este, em Portugal, possam fazer frutificar hortas, jardins e florestas sobre este solo feito cinzas.

Blog da disciplina de Ecologia Urbana

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